«Definições a partir da esquerda
Queria começar pelo que a mim me parece mais familiar: as duas respostas apresentadas pela esquerda. Segundo a primeira delas, o lugar em que preferentemente se desenrola a vida boa é a comunidade política, o Estado democrático em cujo seio podemos ser cidadãos. Nele assumimos livremente compromissos e, como membros, participamos no processo de tomada de decisões. Deste ponto de vista, ser um cidadão é o melhor que se pode ser. Viver bem é ser politicamente activo, trabalhar com os outros cidadãos, determinar de forma colectiva o nosso destino comum. Tudo isto para alcançar isto ou aquilo, se não for pela própria tarefa; uma tarefa através da qual podemos expressar as nossas capacidades mais elevadas enquanto agentes racionais e morais. O modo como nos conhecemos melhor a nós próprios é enquanto pessoas que propõem, debatem e decidem.
Esta ideia remonta aos gregos, mas, provavelmente, reconhecemos mais facilmente as suas versões neoclássicas. Refiro-me às ideias de Rousseau, ou melhor, às interpretações padrão que a esquerda fez dessas ideias. A sua concepção da cidadania como uma forma de acção moral, constitui uma das fontes básicas do idealismo democrático. Isso surge na obra de um liberal como John Stuart Mill, em cujos escritos se plasma uma inesperada defesa do sindicalismo (o que actualmente se denomina “controlo exercido pelos trabalhadores”) e, de forma mais geral, da social-democracia. Surgiu entre os democratas radicais dos séculos XIX e XX, frequentemente com um certo viés populista. Desempenhou um papel importante nas pretensões reiteradas de inclusão social postuladas por mulheres, trabalhadores, negros e imigrantes, que baseavam as suas exigências na sua capacidade como agentes políticos. E esta mesma ideia iconoclasta ressurgiu nos anos sessenta no âmbito das teorias participativas da nova esquerda. Todavia, nesse caso, como acontece frequentemente quando se retomam teorias clássicas, deu-se uma alteração bastante teórica que não teve grande ressonância local.
Hoje em dia, talvez como consequência dos desastres políticos dos finais dos anos sessenta, os “comunitaristas” estado-unidenses procuram dotar o idealismo rousseauniano de um referente histórico, centrando-se na República americana dos primeiros tempos e falando da necessidade de renovar a virtude cívica. Prescrevem a cidadania como antídoto contra a fragmentação das sociedades actuais, já que estes teóricos, tal como Rousseau, não valorizam o fragmentário. Nas suas mãos, o republicanismo continua a ser um credo simplificador. Se a política é o mais elevado, devemos alhear-nos de qualquer outra actividade (ou qualquer outra actividade deve ser redefinida em termos políticos). As nossas energias devem canalizar-se para a formulação de políticas e para o processo de tomada de decisões no interior do Estado democrático.
Não tenho dúvidas que a imagem do cidadão activo e comprometido seja bastante atractiva, mesmo que os activistas reais que encontramos com cartazes e a gritar slogans não o sejam. A crítica mais radical que se pode fazer a esta primeira resposta à pergunta sobre a vida boa não é que a vida que nos é descrita seja boa, mas o facto de não reflectir a “vida real” de muitas pessoas no mundo moderno. Em primeiro lugar, ainda que o poder do Estado democrático tenha sido notoriamente ampliado, em parte (e isso é correcto) como resposta às exigências formuladas por cidadãos comprometidos, não se pode dizer que o Estado esteja totalmente nas mãos dos cidadãos que o compõem. Quanto mais cresce, mais constringe as associações mais pequenas que ainda estão sujeitas a controlo. Em alguns aspectos significativos, o poder do demos acaba por ser ilusório. A participação dos homens e das mulheres comuns nas actividades do Estado (a não ser que se trate de funcionários ou empregados públicos) é vista frequentemente apenas como algo que os outros fazem. Incluindo os militantes de partidos políticos que tendem mais a discutir e a queixar-se do que a decidir realmente.
Em segundo lugar, à margem de força da ideologia republicana, a política só muito raramente chama a atenção daqueles cidadãos que se supõe serem os autênticos protagonistas. Estão demasiado ocupados com outras coisas. Fundamentalmente devem ganhar a vida. Estão mais comprometidos com o terreno económico do que com a comunidade política. Teóricos republicanos (como Hannah Arednt) entendem que este tipo de compromisso não supõe mais do que uma ameaça para a virtude cívica. Segundo eles, a actividade económica pertence ao âmbito da necessidade e a politica ao âmbito da liberdade. O ideal seria que os cidadãos não tivessem que trabalhar. Deveriam ser servidos por máquinas, e já não por escravos, de modo que pudessem frequentar as assembleias e discutir com os seus iguais os assuntos do Estado. Todavia, na prática, se o trabalho começa por ser uma necessidade, acaba por assumir um valor próprio, que se expressa na entrega a uma carreira, no orgulho que se experimenta quando se faz um trabalho bem feito ou no sentimento de camaradagem que surge no espaço do trabalho. Todos estes valores ocupam o seu lugar junto dos outros valores próprios da cidadania.
No caso da segunda das atitudes adoptadas pela esquerda, no que diz respeito à melhor marca da vida boa, percebe-se um afastamento da vida republicana. Neste caso, a ideia central é a ideia da actividade económica. Podemos considerar esta atitude como a resposta socialista às perguntas que formulei no início. Marx defende-a, tal como os socialistas utópicos que ele pretendia superar. Para Marx, o lugar em que deve desenrolar-se a vida boa é o do cooperativismo económico, no qual todos podemos ser produtores, artistas (Marx era um romântico), inventores e artesãos (o que não parece ser compatível com os trabalhadores das linhas de montagem). Mais uma vez se afirma que isto é o melhor que se pode ser. A imagem esboçada por Marx é a de os homens e as mulheres criativas que produzem objectos belos e úteis que surgem não porque se deseje construir um tal objecto, mas por causa do prazer da criatividade em si mesma, a expressão máxima da nossa espécie, do homo faber, do homem produtor.
Deste ponto de vista, o Estado deve ser governado de forma que se garanta a livre produtividade. Não importa quem o dirige, embora se aplique à concretização desse objectivo e o faça de forma racional. O seu trabalho é tecnicamente relevante mas não interessante de um ponto de vista substantivo. Uma vez alcançada a livre produção, a política deve deixar de interessar. Ainda que, no aqui e agora dos marxistas, o conflito político deva ser entendido como a representação super-estrutural do conflito económico, e a democracia valoriza-se, basicamente, porque permite aos movimentos e partidos socialistas organizarem-se para saírem vitoriosos. Tem, portanto, um valor instrumental e historicamente específico. O Estado democrático é o melhor cenário possível, não para o desenvolvimento da vida boa, mas para concretizar a luta de classes. O que se pretende com esta luta é ganhar, e a vitória supõe o fim da instrumentalidade democrática. A democracia não tem um valor intrínseco; não há qualquer razão para pensar que a política possa ter, para criaturas como nós, uma atracção permanente. Quando todos nos dedicarmos à actividade produtiva, desaparecerão as divisões sociais e os conflitos que estes geram. O Estado, de acordo com uma famosa expressão de antigamente, “extinguir-se-á”.
Se algum dia esta ideia vier a concretizar-se, o que desaparecerá será a política. Continuaria a ser necessário existir algum tipo de agência administrativa que coordenasse a economia, e apenas os marxistas se enganam quando se recusam a chamar esta agência de Estado. Marx escreveu em A Ideologia Alemã: “A sociedade regula a produção geral e torna possível que eu num dia faça uma coisa e no dia seguinte outra”. Uma vez que esta regulação não possui um carácter político, os cidadãos vêem-se livres do fardo da cidadania, e centram-se nas coisas que criam e nas relações de cooperação que estabelecem. O que para mim fica claro e provavelmente para a maioria dos leitores de Marx, é como pode cada pessoa fazer exactamente o que lhe apetece e, ao mesmo tempo, trabalhar com outras pessoas. No texto sugere-se uma fé extraordinária na virtude dos que assumem a tarefa de regular o sistema. Não acredito que hoje alguém partilhe desta fé, mas deve ser algo parecido com o que ajuda a explicar a tendência de alguns homens de esquerda para considerar até o Estado democrata-liberal como um obstáculo o qual, de acordo com a pior das gírias actuais, deve ser “aniquilado”.
A seriedade da intenção anti-política marxista ilustra-se perfeitamente recordando o desagrado que o sindicalismo produzia em Marx. O que os sindicalistas propunham era uma amálgama entre as duas respostas que temos dado até agora à pergunta sobre a vida boa. Para eles, o objectivo ideal seria a fábrica controlada pelos próprios trabalhadores, para que os homens e as mulheres pudessem ser ora cidadãos ora produtores, tomando decisões e produzindo coisas. Aparentemente, Marx entendia que esta era uma combinação impossível. As fábricas não poderiam ser ora democráticas ora produtivas. Este é o tema tratado por Engels no seu pequeno ensaio sobre a autoridade o qual, na minha opinião, reflecte a posição de Marx. O auto-governo no lugar do trabalho apresentava, sob a forma de juízo, a legitimidade da “regulação social” ou planificação estatal, que, segundo Marx, era o único meio para permitir que os trabalhadores se dedicassem, livres de distracções, ao seu trabalho.
Todavia, esta visão da economia cooperativa baseia-se numa premissa incrível, a existência de uma regulação estatal não política na qual não há conflito: “a administração das coisas”. Em todas as experiências socialistas reais, o Estado rapidamente ocupou um lugar central, e a maioria dos socialistas (pelo menos no Ocidente) tiveram que fazer a sua própria reformulação usando tanto a primeira como a segunda das respostas que demos. Chamam-se a si próprios social-democratas, e ocupam-se do Estado tanto quanto da economia (de facto, provavelmente, bastante mais desta última). Falam dos cenários preferíveis para o desenvolvimento da própria vida boa. Suponho que isto seja um progresso, uma vez que dois é sempre melhor do que um. Mas antes de passar a descrever o que creio poder ser uma evolução progressista, devo aludir a mais duas respostas ideológicas à pergunta pela vida boa: uma capitalista e outra de natureza nacionalista. Porque não há qualquer razão para pensar que seja apenas a esquerda a preferir a singularidade.»
Queria começar pelo que a mim me parece mais familiar: as duas respostas apresentadas pela esquerda. Segundo a primeira delas, o lugar em que preferentemente se desenrola a vida boa é a comunidade política, o Estado democrático em cujo seio podemos ser cidadãos. Nele assumimos livremente compromissos e, como membros, participamos no processo de tomada de decisões. Deste ponto de vista, ser um cidadão é o melhor que se pode ser. Viver bem é ser politicamente activo, trabalhar com os outros cidadãos, determinar de forma colectiva o nosso destino comum. Tudo isto para alcançar isto ou aquilo, se não for pela própria tarefa; uma tarefa através da qual podemos expressar as nossas capacidades mais elevadas enquanto agentes racionais e morais. O modo como nos conhecemos melhor a nós próprios é enquanto pessoas que propõem, debatem e decidem.
Esta ideia remonta aos gregos, mas, provavelmente, reconhecemos mais facilmente as suas versões neoclássicas. Refiro-me às ideias de Rousseau, ou melhor, às interpretações padrão que a esquerda fez dessas ideias. A sua concepção da cidadania como uma forma de acção moral, constitui uma das fontes básicas do idealismo democrático. Isso surge na obra de um liberal como John Stuart Mill, em cujos escritos se plasma uma inesperada defesa do sindicalismo (o que actualmente se denomina “controlo exercido pelos trabalhadores”) e, de forma mais geral, da social-democracia. Surgiu entre os democratas radicais dos séculos XIX e XX, frequentemente com um certo viés populista. Desempenhou um papel importante nas pretensões reiteradas de inclusão social postuladas por mulheres, trabalhadores, negros e imigrantes, que baseavam as suas exigências na sua capacidade como agentes políticos. E esta mesma ideia iconoclasta ressurgiu nos anos sessenta no âmbito das teorias participativas da nova esquerda. Todavia, nesse caso, como acontece frequentemente quando se retomam teorias clássicas, deu-se uma alteração bastante teórica que não teve grande ressonância local.
Hoje em dia, talvez como consequência dos desastres políticos dos finais dos anos sessenta, os “comunitaristas” estado-unidenses procuram dotar o idealismo rousseauniano de um referente histórico, centrando-se na República americana dos primeiros tempos e falando da necessidade de renovar a virtude cívica. Prescrevem a cidadania como antídoto contra a fragmentação das sociedades actuais, já que estes teóricos, tal como Rousseau, não valorizam o fragmentário. Nas suas mãos, o republicanismo continua a ser um credo simplificador. Se a política é o mais elevado, devemos alhear-nos de qualquer outra actividade (ou qualquer outra actividade deve ser redefinida em termos políticos). As nossas energias devem canalizar-se para a formulação de políticas e para o processo de tomada de decisões no interior do Estado democrático.
Não tenho dúvidas que a imagem do cidadão activo e comprometido seja bastante atractiva, mesmo que os activistas reais que encontramos com cartazes e a gritar slogans não o sejam. A crítica mais radical que se pode fazer a esta primeira resposta à pergunta sobre a vida boa não é que a vida que nos é descrita seja boa, mas o facto de não reflectir a “vida real” de muitas pessoas no mundo moderno. Em primeiro lugar, ainda que o poder do Estado democrático tenha sido notoriamente ampliado, em parte (e isso é correcto) como resposta às exigências formuladas por cidadãos comprometidos, não se pode dizer que o Estado esteja totalmente nas mãos dos cidadãos que o compõem. Quanto mais cresce, mais constringe as associações mais pequenas que ainda estão sujeitas a controlo. Em alguns aspectos significativos, o poder do demos acaba por ser ilusório. A participação dos homens e das mulheres comuns nas actividades do Estado (a não ser que se trate de funcionários ou empregados públicos) é vista frequentemente apenas como algo que os outros fazem. Incluindo os militantes de partidos políticos que tendem mais a discutir e a queixar-se do que a decidir realmente.
Em segundo lugar, à margem de força da ideologia republicana, a política só muito raramente chama a atenção daqueles cidadãos que se supõe serem os autênticos protagonistas. Estão demasiado ocupados com outras coisas. Fundamentalmente devem ganhar a vida. Estão mais comprometidos com o terreno económico do que com a comunidade política. Teóricos republicanos (como Hannah Arednt) entendem que este tipo de compromisso não supõe mais do que uma ameaça para a virtude cívica. Segundo eles, a actividade económica pertence ao âmbito da necessidade e a politica ao âmbito da liberdade. O ideal seria que os cidadãos não tivessem que trabalhar. Deveriam ser servidos por máquinas, e já não por escravos, de modo que pudessem frequentar as assembleias e discutir com os seus iguais os assuntos do Estado. Todavia, na prática, se o trabalho começa por ser uma necessidade, acaba por assumir um valor próprio, que se expressa na entrega a uma carreira, no orgulho que se experimenta quando se faz um trabalho bem feito ou no sentimento de camaradagem que surge no espaço do trabalho. Todos estes valores ocupam o seu lugar junto dos outros valores próprios da cidadania.
No caso da segunda das atitudes adoptadas pela esquerda, no que diz respeito à melhor marca da vida boa, percebe-se um afastamento da vida republicana. Neste caso, a ideia central é a ideia da actividade económica. Podemos considerar esta atitude como a resposta socialista às perguntas que formulei no início. Marx defende-a, tal como os socialistas utópicos que ele pretendia superar. Para Marx, o lugar em que deve desenrolar-se a vida boa é o do cooperativismo económico, no qual todos podemos ser produtores, artistas (Marx era um romântico), inventores e artesãos (o que não parece ser compatível com os trabalhadores das linhas de montagem). Mais uma vez se afirma que isto é o melhor que se pode ser. A imagem esboçada por Marx é a de os homens e as mulheres criativas que produzem objectos belos e úteis que surgem não porque se deseje construir um tal objecto, mas por causa do prazer da criatividade em si mesma, a expressão máxima da nossa espécie, do homo faber, do homem produtor.
Deste ponto de vista, o Estado deve ser governado de forma que se garanta a livre produtividade. Não importa quem o dirige, embora se aplique à concretização desse objectivo e o faça de forma racional. O seu trabalho é tecnicamente relevante mas não interessante de um ponto de vista substantivo. Uma vez alcançada a livre produção, a política deve deixar de interessar. Ainda que, no aqui e agora dos marxistas, o conflito político deva ser entendido como a representação super-estrutural do conflito económico, e a democracia valoriza-se, basicamente, porque permite aos movimentos e partidos socialistas organizarem-se para saírem vitoriosos. Tem, portanto, um valor instrumental e historicamente específico. O Estado democrático é o melhor cenário possível, não para o desenvolvimento da vida boa, mas para concretizar a luta de classes. O que se pretende com esta luta é ganhar, e a vitória supõe o fim da instrumentalidade democrática. A democracia não tem um valor intrínseco; não há qualquer razão para pensar que a política possa ter, para criaturas como nós, uma atracção permanente. Quando todos nos dedicarmos à actividade produtiva, desaparecerão as divisões sociais e os conflitos que estes geram. O Estado, de acordo com uma famosa expressão de antigamente, “extinguir-se-á”.
Se algum dia esta ideia vier a concretizar-se, o que desaparecerá será a política. Continuaria a ser necessário existir algum tipo de agência administrativa que coordenasse a economia, e apenas os marxistas se enganam quando se recusam a chamar esta agência de Estado. Marx escreveu em A Ideologia Alemã: “A sociedade regula a produção geral e torna possível que eu num dia faça uma coisa e no dia seguinte outra”. Uma vez que esta regulação não possui um carácter político, os cidadãos vêem-se livres do fardo da cidadania, e centram-se nas coisas que criam e nas relações de cooperação que estabelecem. O que para mim fica claro e provavelmente para a maioria dos leitores de Marx, é como pode cada pessoa fazer exactamente o que lhe apetece e, ao mesmo tempo, trabalhar com outras pessoas. No texto sugere-se uma fé extraordinária na virtude dos que assumem a tarefa de regular o sistema. Não acredito que hoje alguém partilhe desta fé, mas deve ser algo parecido com o que ajuda a explicar a tendência de alguns homens de esquerda para considerar até o Estado democrata-liberal como um obstáculo o qual, de acordo com a pior das gírias actuais, deve ser “aniquilado”.
A seriedade da intenção anti-política marxista ilustra-se perfeitamente recordando o desagrado que o sindicalismo produzia em Marx. O que os sindicalistas propunham era uma amálgama entre as duas respostas que temos dado até agora à pergunta sobre a vida boa. Para eles, o objectivo ideal seria a fábrica controlada pelos próprios trabalhadores, para que os homens e as mulheres pudessem ser ora cidadãos ora produtores, tomando decisões e produzindo coisas. Aparentemente, Marx entendia que esta era uma combinação impossível. As fábricas não poderiam ser ora democráticas ora produtivas. Este é o tema tratado por Engels no seu pequeno ensaio sobre a autoridade o qual, na minha opinião, reflecte a posição de Marx. O auto-governo no lugar do trabalho apresentava, sob a forma de juízo, a legitimidade da “regulação social” ou planificação estatal, que, segundo Marx, era o único meio para permitir que os trabalhadores se dedicassem, livres de distracções, ao seu trabalho.
Todavia, esta visão da economia cooperativa baseia-se numa premissa incrível, a existência de uma regulação estatal não política na qual não há conflito: “a administração das coisas”. Em todas as experiências socialistas reais, o Estado rapidamente ocupou um lugar central, e a maioria dos socialistas (pelo menos no Ocidente) tiveram que fazer a sua própria reformulação usando tanto a primeira como a segunda das respostas que demos. Chamam-se a si próprios social-democratas, e ocupam-se do Estado tanto quanto da economia (de facto, provavelmente, bastante mais desta última). Falam dos cenários preferíveis para o desenvolvimento da própria vida boa. Suponho que isto seja um progresso, uma vez que dois é sempre melhor do que um. Mas antes de passar a descrever o que creio poder ser uma evolução progressista, devo aludir a mais duas respostas ideológicas à pergunta pela vida boa: uma capitalista e outra de natureza nacionalista. Porque não há qualquer razão para pensar que seja apenas a esquerda a preferir a singularidade.»
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