«Agora o hedonismo é a solução directa para o problema arquitectónico; seria tolo construir um organismo que não respondesse directamente à dor, retirando os dedos da chama só depois de formar uma crença sobre os seus ferimentos somáticos. Nesta situação, a crença é mediada pela dor e o Princípio da Assimetria (D/I) explica a razão pela qual faz sentido que o hedonista dê importância central à dor. Contudo, o mesmo princípio indica o que está errado no hedonismo enquanto solução arquitectónica quando a dor é mediada pela crença, que é o que acontece tão frequentemente no contexto dos cuidados parentais.
Se o hedonismo é menos fiável que o puro altruísmo ou o pluralismo da motivação, que vantagens relativas têm estes três mecanismos quando consideramos as questões evolutivas da disponibilidade e da eficiência? No que diz respeito à disponibilidade, quero afirmar o seguinte: se o hedonismo estava ancestralmente disponível como uma solução arquitectónica, também o altruísmo estava. A razão disto é que os dois mecanismos motivadores apenas diferem em pormenor. Ambos requerem uma psicologia baseada na crença/desejo e tanto o pai hedonista como o pai altruísta querem o melhor para os seus filhos; a única diferença é que no hedonista este conteúdo proposicional é um desejo instrumental enquanto que no altruísta é um desejo último. Se o altruísmo e o pluralismo não evoluíram, não foi por não estarem disponíveis como variantes sobre as quais a selecção pudesse actuar.
O que dizer das questões de eficiência? Será que custará mais calorias construir e manter um organismo altruísta ou pluralista do que construir e manter um organismo hedonista? Não vejo porquê. O que requer energia é construir o equipamento que implementa uma psicologia baseada na crença/desejo. Contudo, é difícil perceber em que medida fará diferença, em termos energéticos, ter um desejo último em vez de dois; não é fácil perceber em que medida o desejo último de querer o melhor para um filho teria de requerer mais calorias do que ter o desejo último de evitar a dor e obter prazer. Aparentemente, as pessoas que têm maior número de crenças não precisam de se alimentar mais do que aquelas que têm menos. O mesmo parece aplicar-se à questão de saber quantos desejos últimos que alguém possui, ou quais.
Em suma, o hedonismo é um mecanismo menos fiável do que o puro altruísmo ou o pluralismo enquanto dispositivo para assegurar o cuidado parental. E, no que diz respeito à disponibilidade e à eficiência, não vislumbramos diferença entre estes três mecanismos da motivação. Isso sugere que é mais provável que a selecção natural nos tenha tornado pluralistas da motivação do que hedonistas.
Do ponto de vista evolutivo, o hedonismo é um mecanismo da motivação bastante bizarro. O que interessa no processo de selecção natural é a capacidade que o organismo tem para sobreviver e para se reproduzir com sucesso. O sucesso reprodutivo envolve não apenas produzir descendência, mas assegurar a sua sobrevivência até atingir igualmente a idade reprodutiva. Assim, o que interessa é a sobrevivência do nosso corpo e do corpo dos nossos descendentes. Por outro lado, o hedonismo implica que o organismo cuide em última análise dos estados da sua consciência e que o faça sozinho. O que levaria a selecção natural a preocupar-se com algo que é periférico para o equilíbrio do organismo, em vez de se concentrar no essencial? Se os organismos fossem incapazes de conceptualizar proposições acerca do seu próprio corpo e do corpo dos seus descendentes, essa poderia ser uma razão. No fim de contas, pode fazer sentido que um organismo explore, relativamente ao que comer, uma estratégia de decisão indirecta baseada na cor em vez de outra baseada no valor nutricional, se o organismo não tiver qualquer tipo de acesso epistémico ao conteúdo nutricional. Mas se um organismo for suficientemente inteligente para formar representações de si e dos seus descendentes, a justificação para uma estratégia indirecta não é plausível. Não é surpreendente que evitar a dor e procurar o prazer sejam dois dos nossos objectivos últimos, dado que evoluímos de antepassados que eram cognitivamente menos sofisticados. Mas o facto de os seres humanos serem capazes de formar representações com conteúdos proposicionais tão diversos sugere que a evolução pôs outros elementos na lista do que valorizamos como fins em si.»
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Sober, Elliot, “Psychological egoism” in LaFollette, Hugh (ed.) (2000). The Blackwell Guide to Ethical Theory. Oxford: Blackwell Publishing, pp. 141-7 (Tradução e adaptação de Vítor João Oliveira)
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