terça-feira, 8 de julho de 2008

Thomas Christiano, “A Importância da Deliberação Pública” (Parte IX)


«Regra da maioria como fonte de justificação política

O terceiro modo de reconciliar os desacordos sobre o que está politicamente justificado com a ideia de que os resultados do procedimento deliberativo ideal são politicamente justificados é dizer que a justificação para uma maioria é suficiente como justificação política. Por si só, isto não parece ser muito promissor. Por que deveria o mero facto de uma maioria estar persuadida estabelecer a justificação política dos termos de associação para aqueles que não estão persuadidos? Parece que o único modo disso acontecer é quando a persuasão da maioria consegue transmitir alguma informação para a minoria sobre a justificação da concepção que a maioria tenha adoptado. Uma tal concepção tem sido expressa por vários autores denominados teóricos epistémicos da democracia
[1]. A ponte essencial entre a maioria e a justificação política para a minoria é expressa por Rousseau:

"Quando a lei é proposta na assembleia popular, o povo é questionado não exactamente sobre se aprova ou rejeita a proposta, mas se está em conformidade com a vontade geral, que é a sua vontade. Cada homem, ao dar seu voto, afirma sua opinião sobre esse ponto; e a vontade geral é encontrada pela contagem dos votos. Mas quando a opinião que prevalece é contrária a minha opinião, isso prova nada mais nada menos de que estava equivocado, e que o que eu pensava ser a vontade geral não o era."
[2]

Por que deveria isto ser assim? Provavelmente a explicação mais sucinta disto é dada por Bernard Manin: "A força relativa da justificação [de uma norma] só pode ser medida através da amplitude e da intensidade da aprovação que surge num público de pessoas razoáveis"
[3]. E a partir disto argumenta que "a aprovação do maior número reflecte, nesse contexto, a maior força de um conjunto de argumentos em comparação com outros"[4].

É agora necessário distinguir duas teses estreitamente relacionadas. A primeira tese é a de que o facto da maioria ter concordado com uma peça da legislação dá à minoria uma razão, suficiente para a justificação política, de pensar que estavam errados e que a alternativa escolhida pela maioria está correcta. A segunda é a de que, em geral e no longo prazo, a maioria tomará globalmente melhores decisões do que a minoria. A primeira tese é muito mais forte do que a segunda. Na verdade, pode apoiar-se na verdade da segunda, mas, para além disso, apoia-se na tese de que a minoria concorda com esta verdade neste contexto. A explicação da justificação política encontra-se na ideia de que a uma pessoa deve ser dada uma razão que seja aceitável à luz das suas próprias razões a favor de uma política para que não seja opressiva. Mas a tese de que de facto a minoria possui por si própria razão para pensar que é provável que a maioria esteja mais certa do que ela acerca da questão em disputa, é profundamente questionável. O contexto em que uma eventualidade tão improvável pode ocorrer é descrito pelos axiomas básicos do Teorema do Júri de Condorcet. É suficiente dizer para os propósitos presentes que ninguém defende que estes axiomas se mantenham em sociedades democráticas complexas[5]. Há dois modos pelos quais a primeira tese não é sustentável. Primeiro, a primeira tese exige que a maioria esteja provavelmente mais correcta nas decisões particulares ou, pelo menos, num conjunto particular de decisões. Segundo, a tese exige que a minoria possua boas razões para ver que a maioria está correcta em cada uma das suas decisões particulares ou conjunto de decisões. Mas se é verdade que as decisões da maioria são mais frequentemente correctas do que as decisões da minoria, isso só pode ser estabelecido empiricamente no longo prazo e seria irrazoável esperar que os membros da minoria vissem isso. Para além disso, dado que a superioridade só se mantém no longo prazo, a minoria pode razoavelmente pensar que está mais frequentemente correcta do que errada. Por isso, podemos rejeitar a tese de que a regra da maioria pode fornecer à minoria uma justificação política para as decisões da minoria.

Percorremos o círculo total da explicação instrumentalista do valor da deliberação e da sua associação com a regra da maioria. Ainda que pareça razoável pensar que a deliberação tem efeitos benéficos sobre os resultados da tomada de decisão política, parece muito difícil aceitar as teses particulares defendidas aqui por Manin e Rousseau. O impacto benéfico de determinadas deliberações políticas públicas deve ser de longo prazo e amiúde não deve ser experimentado por aqueles que se envolveram na deliberação. Assim, a explicação deliberativa, se for o caso de apelar para os tipos de considerações apresentadas imediatamente acima, deve abandonar a ideia de que o procedimento é ele próprio a fonte da justificação política. Isto porque o procedimento deve ser avaliado e apoiado nos termos da sua capacidade real para produzir resultados que satisfaçam um padrão independente, que na sua maioria só pode ser satisfeito através de um processo confiável de discussão e votação. Assim, o procedimento não é ele próprio a fonte de justificação política; pelo contrário, os efeitos justificatórios resultam do facto dos resultados do procedimento se aproximarem de algum padrão independente.»
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[1] Veja-se Bernard Grofman e Scott Feld, "Rousseau's general will: a condorcetian perspective", American Political Science Review (Junho 1988), pp. 567-576. Veja-se também Joshua Cohen, "An epistemic conception of democracy”, Ethics (Julho 1986, pp. 26-38 (Cohen abandonou posteriormente esta concepção). Veja-se também David Estlund, "Democratic theory and the public interest: Condorcet and Rousseau revisited", American Political Science Review (Dezembro 1989), pp. 1317-1322, para uma discussão útil dessa abordagem.
[2] Rousseau, The Social Contract and Discourse, p. 278.
[3] Bernard Manin, "On legitimacy and political deliberation", Political Theory (Agosto 1987), p. 354.
[4] Ibid., p. 359.
[5] Ver o meu "Freedom, Consensus and Equality in Collective Decision Making”, Ethics (Outubro 1990), pp. 151-181, para uma critica da aplicação do teorema na democracia. O teorema afirma que quando um grupo se defronta com uma escolha entre duas alternativas, e cada membro do grupo tem em média a probabilidade maior do que 0,5 de escolher a melhor alternativa, então os grupos com mais membros terão a probabilidade próxima de 1 de chegar à melhor escolha quando escolhe por um método maoritário. As dificuldades estão no facto das questões políticas nunca virem travestidas de escolhas dicotómicas e não está claro que os votantes sejam independentes uns dos outros e nem sequer o que o próprio axioma significa. Para além disso, é difícil ver por que alguém atribuiria a outra pessoa uma probabilidade de estar correcto superior a 50% quando discorda dela quanto à resposta certa.
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