terça-feira, 15 de julho de 2008

Garrett Hardin, “A ética do bote salva-vidas: um argumento contra ajudar os pobres” (Parte III)

«Controlo drástico da população
Em média, os países pobres registam um aumento da população de 2,5% por ano; os países ricos, cerca de 0,8%. Apenas os países ricos possuem algumas reservas alimentares, e mesmo esses não possuem tantas quanto deviam. Os países pobres não possuem reservas. Se os países pobres não receberem alimentos do exterior, a taxa de crescimento da sua população será periodicamente controlada pelas quebras nas colheitas e pelas fomes. Mas se puderem contar com um banco alimentar mundial, a sua população pode continuar a crescer de forma descontrolada, tal como a sua “necessidade” de ajuda. No curto prazo, um banco alimentar mundial pode diminuir as suas necessidades, mas no longo prazo acabará por as aumentar de forma ilimitada.


Sem algum sistema de partilha alimentar mundial, a proporção das pessoas nas nações ricas e pobres podem eventualmente estabilizar. Os países pobres superpovoados diminuíram em número, enquanto que os países ricos com espaço para mais pessoas aumentariam. Mas com um sistema de partilha bem-intencionado, como é o caso deste banco alimentar mundial, o crescimento diferenciado entre os países ricos e pobres não só persistirá, como aumentará. Por causa da taxa mais elevada de crescimento da população nos países pobres do mundo, 88% das crianças de hoje nascem pobres, e apenas 12% nascem ricas. Ano após ano o ratio piora, do mesmo modo que o crescimento rápido da taxa de natalidade dos pobres supera o crescimento lento da dos ricos.

Um banco alimentar mundial é o equivalente à tragédia dos comuns ainda que disfarçado. As pessoas terão maior motivação para retirar do que para contribuir para qualquer armazém comum. Os menos prudentes e os menos capazes multiplicar-se-ão às custas dos mais capazes e mais prudentes, arruinando provavelmente aqueles que partilham na comunidade. Para além disso, qualquer sistema de “partilha” que seja equivalente à ajuda internacional das nações ricas às nações pobres estará contaminada pela marca da caridade, que pouco contribuirá para a paz mundial tão devotamente desejada por aqueles que apoiam a ideia de um banco alimentar mundial. […]

O milagre do peixe e do arroz chinês
A perspectiva moderna da ajuda internacional enfatiza a exportação de tecnologia e da assessoria, em vez de dinheiro e alimentos. Como diz um velho provérbio chinês: “Dê um peixe a um homem e ele comerá durante um dia, ensine-o a pescar e ele terá comida para o resto dos seus dias”. Seguindo este conselho, as Fundações Rockefeller e Ford financiaram um conjunto de programas de melhoramento da agricultura nas nações onde há fome. Conhecidos como a “Revolução Verde”, estes programas conduziram ao desenvolvimento do “milagre do arroz” e ao “milagre do trigo”, novas variedades que proporcionam maiores colheitas e mais resistência à destruição do cultivo. Norman Brolaug, o vencedor do Prémio Nobel da agronomia, que apoiado pela Fundação Rockefeller, desenvolveu o “milagre do trigo”, é um dos defensores mais eminentes do banco alimentar mundial.

Saber se a Revolução Verde pode aumentar a produção de alimentos como é propalado pelos seus defensores, é um aspecto discutível mas possivelmente irrelevante. Aqueles que defendem este esforço humanitário bem-intencionado deviam considerar primeiro alguns dos aspectos fundamentais da ecologia humana. Ironicamente, uma das pessoas que o fez foi o falecido Alan Gregg, vice-presidente da Fundação Rockefeller. Há duas décadas atrás manifestou fortes reservas sobre a sabedoria dessas tentativas para aumentar a produção de comida. Comparou o aumento e a disseminação da população humana pela superfície da terra à difusão do cancro pelo corpo humano, assinalando “o aumento cancerígeno da procura de alimento; mas, tanto quanto saiba, nunca foram curados por o terem conseguido”.

Saturando o ambiente
Cada ser humano nascido produz um efeito em todos os aspectos do ambiente: alimento, ar, água, florestas, praias, vida selvagem, paisagem e solidão. Talvez a comida possa ser significativamente aumentada para corresponder à crescente procura. Mas o que dizer das praias limpas, das florestas intactas e da solidão? Se satisfizermos a procura crescente de alimento, diminuiremos necessariamente a porção de recursos per capita dos outros homens.

A Índia, por exemplo, possui actualmente uma população de 600 milhões de pessoas, que cresce a um ritmo anual de 15 milhões. Esta população já pressiona bastante um ambiente relativamente empobrecido. As florestas do país são já uma pequena fracção do que eram há três séculos atrás, e as cheias e a erosão destroem continuamente as terras cultiváveis que restam. Cada uma das 15 milhões de novas vidas acrescentadas à população da Índia coloca um fardo adicional no ambiente, e aumenta os custos económicos e sociais do excesso de população. Independentemente das nossas intenções humanitárias, cada vida indiana salva através de assistência médica ou nutricional internacional diminui a qualidade de vida daqueles que restam, e das gerações subsequentes. Se os países ricos tornarem possível, através da ajuda internacional, que 600 milhões de indianos se transformem em 1,2 biliões em meros vinte anos, tal como a actual taxa de crescimento ameaça, será que as futuras gerações de indianos nos agradecerão por apressarmos a destruição do seu ambiente? Serão as nossas boas intenções uma desculpa suficiente para as consequências das nossas acções?

O meu exemplo final da tragédia dos comuns em curso é algo que o público não deseja discutir racionalmente – a imigração. Quem quer que questione publicamente a sabedoria da actual política de imigração dos EUA é imediatamente acusado de intolerância, preconceito, etnocentrismo, chauvinismo, isolacionismo e egoísmo. […]»
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