sábado, 4 de fevereiro de 2012

O que é uma ação?

«Com este ensaio pretendo responder ao problema acerca da consistência da Teoria Causal da Ação. O problema refere-se à necessidade de saber se efetivamente a TCA, de Donald Davidson e Elisabeth Anscombe, identifica as condições necessárias e suficientes para afirmar que determinado acontecimento é uma ação.
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Primeiro, apresentarei posições de Harry Frankfurt, Georg H. von Wright e do Modelo Deliberativo, que permitem sustentar a ideia de que a TCA falha em conseguir dizer por que razão determinado acontecimento é uma ação. Depois, concluirei que a Teoria Causal da Ação é inadequada para afirmar que determinado acontecimento é uma ação.
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A TCA é então inadequada e demasiado simplista para distinguir acontecimento de ação.
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Segundo a TCA, o que distingue acontecimento de ação, é o facto de nesta existir uma intenção, provocada por estados mentais e psicológicos como crenças e desejos e ainda ser possível a identificação de pelo menos uma descrição verdadeira, isto é, apenas uma descrição preferencial, na qual são reveladas a(s) crença(s) relevante(s) e o(s) desejo(s) que estiveram na origem da ação.
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Harry Frankfurt discorda desta teoria, porque defende que “uma ação é (…) um acontecimento complexo, que inclui um movimento corporal e o estado de coisas ou atividade que constitui a direção que o agente tem sobre esse movimento”. Para Frankfurt, definir ação como intencional, trata-se de um pleonasmo, pois uma ação implica uma intenção e uma intenção uma ação, logo a TCA define ação como ação ou intenção como intenção, sendo esta uma teoria demasiado vaga para explicar ação. Frankfurt defende ainda que para se estar perante uma ação, não é só necessária a existência de uma intenção ou de um par desejo-crença relevante, pois estes não são anteriores mas simultâneos à ação. Para se designar determinado acontecimento de ação, é necessária a existência de direção do movimento intencional atribuível diretamente ao agente e não a mecanismos ligados a este.
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Segundo Harry Frankfurt, “O comportamento tem propósito [,isto é, intenção,] quando o seu curso é objeto de ajustamentos que compensam os efeitos das forças que de outro modo interfeririam com o curso do comportamento.” Para o filósofo, ação é um movimento intencional que para além de apresentar intenção, está sob controlo e direção de um agente.
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Outra objeção à TCA é a de Georg H. von Wright. Este filósofo defende que “Para avaliar uma ação, é necessário antes de mais compreendê-la.” Para von Wright, saber se determinado acontecimento é uma ação, está muito além da identificação de uma descrição preferencial, que revele uma intenção de um agente.
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Segundo von Wright, existem razões internas de nível cognitivo (crença de que uma certa ação pode ser útil para alcançar um dado fim) e volitivo (relativas à vontade de realizar alguma coisa) e razões externas ao agente. As razões internas relacionam-se com a parte mental e psicológica do indivíduo e as razões externas com fatores que influenciam o mesmo. Estas razões são simultâneas numa ação e uma é indispensável à outra. Considera-se então, que a motivação de uma ação é complexa. Por detrás do agente e de uma descrição preferencial, existemmuitos outros fatores como comportamentos anteriores e ulteriores deste a serconsiderados, por exemplo, para a atribuição de uma responsabilidade moral ou simplesmente para poder designar determinado acontecimento de ação.
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Segundo Michael Smith, à luz do Modelo Deliberativo, a ação pode ser encarada de duas perspetivas bastante diferentes: ação intencional e ação deliberativa. A ação intencional é explicada partindo de estados mentais ou psicológicos; a ação deliberativa é explicada partindo da examinação racional, isto é deliberação, que originou dada ação.
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O Modelo Deliberativo pretende desvalorizar a TCA, pois defende que uma intenção não tem origem num par desejo-crença relevante, mas numa deliberação (análise racional de um acontecimento futuro). A intenção leva-nos à ação que não tem apenas uma componente interna (intenção) segundo a qual se atribui a responsabilidade moral, mas tem também adjacente uma componente externa, segundo a qual se atribui a responsabilidade material (o efeito da ação).
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Considero que as críticas à TCA são justificadas, porque de facto para haver uma ação não basta haver apenas motivações internas (par desejo-crença relevante) e uma descrição preferencial: na minha ótica, estas condições são necessárias mas não suficientes para determinar se um dado acontecimento é uma ação. Primeiro, há todo um conjunto de motivações externas que influenciam o agente no momento em que este realiza a ação, depois este tem de controlar e dirigir os seus movimentos para que lhe possamos atribuir a total responsabilidade sobre eles e, por último, deve avaliar as consequências da sua ação antes de a realizar, isto é deliberar e posteriormente intencionar a ação.
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Concluo que a TCA é insuficiente para definir uma ação e determinar em que contexto determinado acontecimento pode sê-lo.»
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MARTA MARQUES . 10º H
ESCOLA SECUNDÁRIA DE ADOLFO PORTELA

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Dia Internacional da Filosofia

Conferência:
«Pensar sobre como pensamos:
as vantagens do pensamento crítico»

Prof. Dr. Ludwig Krippahl
Universidade Nova de Lisboa

Dia 17 de Novembro de 2011, pelas 12:00 horas, Aud. B
Escola Secundária de Adolfo Portela

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Adolescência, adolescentes e o teatro

De teatro pouco sabíamos, embora alguns tivessem já participado em pequenas representações. Conhecíamos vagamente as marcas que Gil Vicente e Almeida Garrett haviam deixado no teatro português, mas desconhecíamos as marcas que uma experiência teatral deixaria em nós, cinco actores amadores e praticamente inexperientes.
A convite dos professores Lygia Pereira e Vítor João Oliveira embarcámos numa experiência fantástica que se iniciou no auditório da Escola Secundária de Oliveira de Bairro, onde um primeiro ensaio levantou possíveis receios e fraquezas. Com o tempo e ensaios que se seguiram, o texto dramático de Jon Fosse, “Lilás”, passou a fazer parte da vida de cinco alunos e de dois professores que percorreram juntos um caminho, descobrindo emoções, recordando memórias, partilhando experiências e fazendo muitas outras coisas que ditas aqui parecerão lugares-comuns vazios de sentimento.
Mas sentimentos não faltaram ao longo de vários ensaios que se tornaram mais intensos nas semanas que antecederam a apresentação ao público do “Lilás”, no passado dia 12 de Julho. Uma vez que esta retratava a adolescência e as suas problemáticas, não era difícil para nós, jovens actores, encontrar pontos comuns com algumas das personagens que, apesar da complexidade, se revelaram apaixonantes! Havia sempre algo a descobrir no que concerne às características das cinco personagens, mas também quanto às características de quem as representava… E assim se construíram relações de entreajuda e de amizade entre cinco jovens que mal se conheciam ou que se reencontraram após algum tempo de afastamento. Simultaneamente, os professores/encenadores assistiam a este processo, entrando também nele, revivendo a alegria e a vivacidade da juventude.
Quanto mais frequentes eram os ensaios no Centro Cultural Prof.Élio Martins, maior era a ansiedade de ver a sala onde então ensaiávamos repleta de pessoas a apreciarem a peça que apresentaríamos. Crescia também o nervosismo e a consciência de que aquela experiência se aproximava do fim.
No entanto, tais sentimentos não podiam dominar o nosso estado de espírito, que se queria concentrado na noite de 12 de Julho, quando apresentámos ao público a nossa peça (inserida no projecto de Educação Sexual da Escola Secundária de Oliveira do Bairro), que tanto gosto e trabalho nos deu. A grande hora aproximava-se, a sala enchia e a adrenalina aumentava. O que é facto é que nenhuma palavra é suficientemente adequada e forte para caracterizar os momentos em que pisámos o palco, onde nos deixámos levar pela essência das personagens que, julgamos nós, também cativaram o público que não se coibiu de reagir ao que via, através de risos, olhares suspensos e palpites quanto às acções da ousada, mas apaixonada Rapariga, centro do triângulo amoroso que incluía o violento Baterista e o Rapaz que reprimia as emoções, mas por quem ela nutria fortes sentimentos.
Na adolescência não há o “Felizes para sempre”, tal como não houve nesta peça que poderá ter deixado alguns espectadores a desejar ter visto mais, mas que deixou marcas naqueles que nela participaram e que adquiriram novos e importantes conhecimentos e vivências.
Por ora, fica o desejo de repetir a experiência…
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Ana Grifo - 11º C
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sábado, 12 de junho de 2010

Será a clonagem de seres humanos moralmente permissível? Porquê?

O presente ensaio tem como objectivo a resposta à questão: “Será a clonagem de seres humanos moralmente permissível? Porquê?”, fornecida após o esclarecimento do conceito de “clonagem” e exposição de vários argumentos favoráveis e contrários a esta prática.
Espero conseguir fornecer uma resposta concreta e justificada a esta questão tão discutida, tendo em conta os argumentos filosóficos seguidamente apresentados.
Antes de mais, importa esclarecer que por clonagem se entende o “processo de obtenção de indivíduos ou populações por reprodução vegetativa ou assexual de um único indivíduo” ou ainda a “introdução de informação genética numa célula de modo a repetir essa informação” (Dicionário da Língua Portuguesa, 2004: p. 369).
Leon R. Kass considera a clonagem eticamente reprovável e, para provar a sua tese, recorre, essencialmente, a dois conjuntos argumentos. O primeiro refere que a clonagem é má em si mesma, pois é um fenómeno que cria, transversalmente, sentimentos como a revolta e repulsa. Parece, então, que Kass ingressará no domínio das emoções, mas ele próprio defende que apesar de o seu argumento ser de ordem racional, é justificado. Tal como qualquer pessoa toma como repugnantes e condena certos actos praticados em privado (por exemplo, o incesto, o canibalismo ou a violação de alguém), também assim considera a clonagem de seres humanos. Diz Kass que “sentimos repulsa pela possibilidade de clonar seres humanos (…) porque intuímos e sentimos imediatamente sem necessidade de argumentos, a violação de coisas que consideramos e bem serem preciosas.” (Leon Kass, 2002: p. 1)
De seguida, Kass disserta sobre a “profundidade do sexo”, que ele aponta como sendo algo divino e transcendente. A reprodução sexual implica, então, duas pessoas de sexo diferente, tratando-se de um acto natural, onde o objectivo primordial é a geração, a criação de um indivíduo. Pelo contrário, a clonagem visa a produção de um dado sujeito, logo, é errada, pois perverte a natureza da reprodução sexual, que, em última análise é uma forma de fugir à mortalidade, pois um filho carrega o legado dos seus ascendentes.
Kass apresenta também argumentos de natureza consequencialista, uma vez que avalia eticamente a clonagem, tendo em conta as suas consequências que, sendo más, também a tornam má, reprovável. O autor começa por afirmar que “qualquer tentativa para clonar um ser humano constitui uma experiência anti-ética para a criança que irá nascer” (Leon Kass, 2002: p. 5), ou seja, a clonagem é má para o clone, pois, para além dos riscos de deformações, este não consentiu ser produzido através de tal processo. Por estas razões, o clone poderá sentir que tem uma vida miserável, onde se depara com constantes problemas de identidade e de individualidade, para além da pressão que os pais, ou melhor, os seus artífices exerceriam sobre si. Existe aqui um certo despotismo, na medida em que um indivíduo pretende construir o outro à imagem de alguém, condicionando o seu futuro.
Terminadas as duas linhas centrais da argumentação de Kass contra a clonagem, este mencionará ainda algumas teses daqueles que defendem esta prática, afirmando, entre outras coisas, que o argumento de que o nosso direito à liberdade reprodutiva garante o direito à clonagem incorre numa falácia vulgarmente conhecida como “bola neve”, acreditando, ainda, que a pesquisa de embriões jovens clonados deve ser proibida.
Tal como Kass, também Jeremy Rifkin se opõe à clonagem humana, exprimindo a sua preocupação com o “aumento da bio-industrialização da vida pela comunidade científica e das companhias de investigação científica e […] com a possibilidade dos embriões de clones humanos poderem ser patenteados e declarados ‘invenções’ humanas” (Jeremy Rifkin, 2005: p.1). Rifkin receia que a vida se transforme num mero produto industrial.
Parafraseando Kass, também Rifkin entende a sexualidade como um acto de criação e não como um acto de produção que é possível devido à tecnologia. Do ponto de vista ético e político, a clonagem é errada porque se patenteia não só a tecnologia, mas também o resultado, que é o embrião. Diz Rifkin que “a criança já não é uma criação única – insubstituível – mas o resultado de um acto de engenharia” (Jeremy Rifkin, 2005: p. 3). Este facto leva a que se receie a criação de um “exército” formado com recurso à eugenia, onde se poderiam escolher as características de cada “produto”.
Para além de se deduzir a obtenção de lucros como um dos objectivos primordiais das empresas que patenteiam uma dada produção, constata-se também um retrocesso civilizacional decorrente deste processo. Ao reclamar como seu o clone por si produzido, a empresa assume essa nova vida individual potencial como sua propriedade, o que representa, de certo modo, uma outra forma de escravatura. Não é só este retrocesso que constitui uma ameaça, mas também a possibilidade de entregar a criação humana (que nesta fase já é apelidada de produção) ao poder da tecnologia e da indústria.
A par com Michael Tooley, John Harris possui o ónus da prova desta controversa temática que é a clonagem, uma vez que é aos defensores desta prática que cabe demonstrar que as suas teses são verdadeiras.
Harris inicia a sua argumentação com a evocação das principais objecções à clonagem humana, sendo que quanto à que se relaciona com a segurança, o autor esclarece de imediato que se trata de uma contestação que se aplicaria não só a esta temática, mas também a muitas outras, sendo necessário avaliar os ganhos que resultariam de uma dada prática, cuja segurança é posta em causa.
Também as expectativas parentais se verificam em famílias cuja descendência se deve à reprodução sexual, uma vez que todos os pais têm expectativas desconformes relativamente aos filhos. A confusão e ambiguidade nas relações familiares poderão também existir quando crianças assistem ao divórcio dos pais, são adoptadas, ingressam numa família de acolhimento ou são geradas com recurso à reprodução assistida (Cfr. John Harris, 2005: p.4). O problema da não-identidade também é ultrapassado, dado que, por mais miserável e prejudicado que um filho se sinta, isso só revela que ele existe, o que parece ser melhor do que não existir.
Apesar do que se objecta quanto à nocividade da cópia do genoma humano, afigura-se óbvio que esta é uma situação já conhecida pelo Homem, dada a existência de gémeos idênticos. O autor afirma mesmo que “Os gémeos idênticos são clones naturais” (John Harris, 2005: p. 6), conservando a sua individualidade, uma vez que o genótipo não determina os traços caracterizadores de um indivíduo. Também a dignidade é preservada desde que o clone, ao dar o seu consentimento, não seja usado exclusivamente como meio, mas também como fim. O genoma humano é resguardado, apesar da sua repetição, que não implica a sua variabilidade. O direito dos pais também se encontra assegurado pois, em última análise, visto que o dador de núcleo resulta de dois indivíduos com características genéticas diferentes, também o clone contém em si duas informações genéticas distintas, embora seja criado apenas com uma figura parental ou de referência, o que não condiciona a sua felicidade.
Como defensor que é da clonagem, Harris apresenta vários benefícios desta prática, nomeadamente a possibilidade de se ter filhos com laços genéticos com progenitores que, de outra forma (mais “convencional”, digamos), não poderiam dar origem a uma nova vida ou teriam receio de contagiar a criança com uma doença; é também possível, através da clonagem terapêutica, criar células estaminais que, mais tarde, poderiam vir a ser usadas em terapias regenerativas ou para aumentar a vida humana. Eliminando a linha que divide células germinais e somáticas, será possível clonar repetidamente uma célula geneticamente modificada e assim passar o genoma modificado para o clone, curando deficiências.
A argumentação de Harris só se completa depois de este recorrer aos argumentos de Rifkin contra a clonagem que, claro está, se opõem claramente aos seus e à sua posição. A divisão que este último faz entre os dois usos da biotecnologia (aquela que contribuirá para a cura e uma outra para a prevenção de doenças) é alvo de crítica de Harris que defende não se poder fazer uma escolha entre ambas, pois quer se enverede por uma opção ou por outra, haverá sempre más consequências logo não há razão para descartar pesquisas biotecnológicas e rejeitar a prática da clonagem.
A visão do indivíduo como propriedade intelectual, pertencente e controlado por uma empresa é também criticada por Harris, uma vez que o facto de se registar uma patente não envolve qualquer tipo de escravatura nem de pertença física, não havendo também qualquer interferência na natureza humana do clone, a quem se darão explicações relacionadas com a sua criação que não incluem nenhuma alusão a Deus, mas sim esclarecimentos mais precisos.
Já Michael Tooley, ao longo da sua argumentação, reconhecerá que “o uso actual da clonagem para produzir pessoas seria moralmente problemático” (Michael Tooley, 2002: p. 12), mas não intrinsecamente errado. Procura, então, responder à objecção de que cada pessoa tem direito a uma natureza genética única, defendendo que a unicidade genética não é relevante, uma vez que são as acções motivadas por diversos factores (tempo, espaço, educação,…) que apresentam maior importância no percurso de vida de um dado sujeito. Veja-se o caso dos gémeos idênticos, cujas vidas não são menos valiosas apenas porque apresentam códigos genéticos iguais. Não tendo este facto qualquer impacto na vida dos gémeos nem dos clones, poderia ainda apresentar vantagens, no sentido em que se fôssemos todos geneticamente semelhantes, encontrar-nos-íamos em igualdade de circunstâncias, e os problemas de identificação também estariam resolvidos com a variação de apenas um dado gene ou um conjunto de genes. Respondendo a uma outra objecção, o autor defende que o clone não está sujeito ao determinismo genético e pode construir livremente o seu próprio futuro.
Quanto às vantagens resultantes da clonagem, poder-se-á apontar que esta contribuirá para um melhor conhecimento no ramo da psicologia, para uma melhor sociedade, se clonássemos alguém que singrou na vida e deu importantes contributos à Humanidade, dado que com “o ambiente apropriado, o resultado seria o de que o indivíduo pudesse vir a alcançar grandes feitos que beneficiariam a sociedade de formas significativas” (Michael Tooley, 2002: p. 6).
A clonagem permitiria a existência de pessoas que gozariam de uma maior felicidade e saúde, mas também a escolha dos traços mais desejáveis para os filhos, que teriam igualmente uma melhor educação da parte dos pais, que, com grande semelhança psicológica, os compreenderiam melhor. Casais inférteis e homossexuais teriam também a possibilidade de originar e criar filhos. Esta polémica prática seria ainda útil para clonar uma pessoa doente, que pudesse colaborar na sua cura.
Tooley retoma as objecções à posição de que ele é partidário, propugnando, entre outras teses, a criação de um banco de órgãos útil para salvar vidas. Num nível mais popular, a “objecção do tipo Maravilhoso Mundo Novo” é infundada, pois a clonagem não terá como fim servir a escravatura ou a formação de um exército ditatorial, tal como as perturbações psicológicas não se verificarão no clone, se este perceber que os seus sentimentos de falta de individualidade são irracionais.
Tal como Harris, Tooley também vê o clone como fim em si mesmo, ainda que tenha sido produzido com o objectivo de salvar alguém. Mais, defende o autor que o clone não está privado da sua autonomia pessoal pois os pais, tal como os progenitores de crianças geradas “naturalmente”, apenas procuram incutir nos filhos a melhor educação e cultivar neles vários interesses benéficos, de forma a que eles concretizem as suas expectativas.
Considerados todos os argumentos, responderei à questão inicialmente colocada (“Será a clonagem de seres humanos moralmente permissível? Porquê?”), defendendo que, na minha opinião, a clonagem humana reprodutiva é uma prática reprovável do ponto de vista ético, pois a individualidade e a identidade são características inerentes ao ser humano, que acredito serem postas em causa pela clonagem, por muito que se alegue que esse problema estará resolvido. Cada um de nós tem direito a uma vida única e a Humanidade tem direito à diversidade natural que proporcionará o seu progresso.
Após análise dos textos de Kass, Rifkin, Harris e Tooley, exposição das ideias centrais dos mesmos e respectivas tentativas de explicação, julgo ter conseguido elaborar uma resposta consistente à questão central do ensaio, provando, julgo eu, de forma inequívoca o meu ponto de vista.
Acrescente-se a estas razões, o facto de o meu conhecimento sobre a clonagem ter aumentado significativamente, o que me leva a fazer um balanço positivo deste trabalho.
Dada a minha escassa experiência na redacção de ensaios filosóficos, alguns aspectos poderiam ser aperfeiçoados, mas esse progresso ficará para uma próxima oportunidade em que eu possa desenvolver um trabalho igualmente enriquecedor.

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Bibliografia

Dicionário da Língua Portuguesa. Porto: Porto Editora, 2004. ISBN 972-0-01125-4
Jeremy Rifkin, “Why I Oppose Human Cloning” in Cohen, Andrew I. & Wellman, Christopher H. (eds) (2005). Contemporary debates in applied ethics. Malden: Blackwell Publishing, pp. 141-4 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)
John Harris, “The Poverty of Objections to Human Reproductive Cloning in Cohen, Andrew I. & Well man, Christopher H. (eds) (2005). Contemporary debates in applied ethics. Malden: Blackwell Publishing, pp. 145-55 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)
Leon R. Kass, “The Wisdom of Repugnance”, in Olen, Jeffrey & Barry, Vincent (2002). Applying Ethics. A text with readings. Belmont: Wadsworth, pp. 275-87 (traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)
Michael Tooley, “Moral Status and Cloning Humans” in Olen, Jeffrey & Barry, Vincent (2002). Applying Ethics. A text with readings. Belmont: Wadsworth, pp. 287-98 (traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)
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Ana Grifo - 11º C

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quarta-feira, 20 de maio de 2009

«Pequeno C» de Martha C. Nussbaum

«Tu já não estavas ali. Não sei porquê, mas sei que foste embora, que já não estavas ali. (E já sabes o que acontece. Como montanhas de salada, corro seis quilómetros por dia, escrevo vários artigos…, mas o meu coração permanece uma bloco pesado e frio.)
Então, certo dia, os nossos amigos do instituto disseram-me que me iam trazer uma surpresa. Viam a desgraçada que era e queriam trazer-me algo. Oiço a campainha do meu apartamento. Abro a porta que dá para o elevador. Então, aninhado num cesto de roupa de cor púrpura, rodeado de juncos e narcisos, envolto num casaco de pijama verde com quadrados escoceses, estava o bebé clone. Levantou os olhos na minha direcção e lançou-me um sorriso desafiador igual ao de Hércules quando este se preparav para estrangular as serpentes. As suas mãos eram já suficientemente grandes para agarrar uma raquete de ténis e os seus músculos eram prometedores.
Pequeno C.
Recolhi-o e dei-lhe um beijo, afirmando que daí em diante viveria comigo na minha casa como meu próprio filho.
Como amava o Pequeno C. Tomava-o nos meus braços. Com grandes esperanças, pensando que rapidamente se transformaria em ti. Quando os seus olhos passaram de um azul-bebé para uma azul esverdeado mais escuro com pequenos pontos amarelos, uma alegria maravilhosa começou a tomar conta do meu coração. Não me cansava de lhe dar de mamar (com os avanços médicos isso já era possível). Sentia os seus lábios à volta do meio peito e imaginava, à medida que o leite fluía, o quanto lhe agradaria esta nova sensação. Era imensa a ansiedade com que observava as suas mãos a mover-se no ar, descrevendo gestos ainda mais expressivos e imperiais.
Dava muitos banhos ao Pequeno C. As suas pernas golpeavam a água com uma força rebelde, e ria de modo desafiante sempre que me molhava.
Muitas vezes, no final da tarde, o Pequeno C aconchegava-se a mim enquanto descansava, e fazia os seus ruídos guturais de bebé feliz. «Muito bem, Pequeno C», dizia eu.
Mas também brincava com ele, dizendo «Quando vais falar das tuas próprias ideias, da redistribuição mundial e dos pontos fracos do utilitarismo? Cresce depressa, Pequeno C, pois falta algo nesta relação».
Examinava as diferentes partes do seu corpo, tão branco e suave, que aumentava com os meus cuidados e a nutrição. E logo me via a brincar com ele dizendo: «Muito bem, Pequeno C, onde está aquele corpo grande e belo que amo especialmente? Cresce mais depressa, Pequeno C».
Na primeira hora da tarde sentávamo-nos junto à janela que dava para o lago e contemplávamos o modo como a luz vespertina se ia esbatendo, com os tons dourados a transformarem-se em conjuntos de rosa e cinza. O Pequeno C estava nos meus braços, contente, e eu cantava-lhe as minhas canções favoritas, como Meu caro bem e Réve d’Amour. Como te conheço bem, estava sempre à espera de algum sinal de aborrecimento, mas o Pequeno C escutava até ao fim, murmurando apenas pequenos sons de satisfação.
À medida que o tempo passava, o Pequeno C ficava maior e mais maravilhoso. Fez dez meses e logo revelou uma rapidez e um equilíbrio superiores à sua idade. As suas pernas fortes golpeavam o solo quando corria, e eu via que os músculos das suas coxas se desenvolviam rapidamente. Mudei-me para uma casa com um pátio grande para que o Pequeno C pudesse correr e saltar. É um atleta natural, dizia eu aos meus colegas do instituto, sem os surpreender. Sorriam diante da extravagância do meu orgulho maternal.
Quando o Pequeno C jogava, eu espiava de perto os seus movimentos para ver se começava a desenvolver aquela postura com os ombros caídos, o direito um pouco mais do que o esquerdo, através da qual o poderia reconhecer a quatro quilómetros de distância ou a partir do ar a dez mil pés. O ombro cai um pouco como se os seus músculos, mais pesados, o empurrassem para baixo, e as costas se torcessem ligeiramente para a direita, pressagiando perspectivas bem sombrias para os seus adversários. Pensava ver esses sinais, embora o Pequeno C nunca tivesse estado num campo de ténis. (De facto, naquela época dava mostras de intensa preferência pelo futebol.). Ficava encantada com os seus olhos multicolores, com o permanente desafio do seu queixo e os movimentos hábeis e rápidos dos seus pés.
Quando o Pequeno C fez oito anos, comecei a levá-lo à ópera. Era apenas uma experiência, disse-me, e virei embora se me começar a aborrecer. Como fiquei feliz com a boa reacção do Pequeno C. Primeiro Hansel e Gretel e pouco depois A Flauta Mágica, embora tivesse reprovado as cenas de desigualdade racial e sexual. Passamos juntos uns bons intervalos a examinar os princípios da justiça global em referência a Monostatos e à Rainha da Noite. (É claro que o Pequeno C não usava uma linguagem filosófica, mas observei com prazer que parecia mover-se naturalmente pelas ideias fundamentais.) Não tardou e era o próprio Pequeno C que me pedia para o levar regularmente à ópera.
«Olha – imaginava-me dizendo-te -, o Pequeno C gosta bastante de música clássica, especialmente de ópera. Mas isso não está nos genes, pois não? Os princípios da justiça global estavam nos teus genes, mas o princípio da anti-ópera não!». E ficava impaciente por desenvolver o gosto por Verdi, até por Wagner. A vida parecia bastante prometedora naquela altura.
Como todas as mães, tinha tendência para ser proustiana. Prometia ao Pequeno C um beijo de boas noites e quando, como Marcel, o Pequeno C me implorava que lhe desse mais tempo e lhe lesse mais, ia até ao seu quarto e lia durante horas. Entre os nossos livros favoritos estava François, o Bastardo, de George Sand, o livro que a mãe de Marcel lhe lia quando ficavam acordados durante toda a noite. O Pequeno C estava enfeitiçado com a história da bela esposa do moleiro que encontrara o filho de uma asilada no campo e decidira educá-lo como se fosse seu. Deliciava-o sobretudo a parte em que Madeleine, contemplando o pobre menino abandonado, infeliz e a morrer de frio, lhe perguntava qual era o seu nome: «Chamam-me François, o bastardo.» «François le Champi». Ao ouvir este nome (que mostrava de forma tão clara que conhecia a sua condição), os olhos do Pequeno C brilhavam de júbilo, e gostava de repetir o nome em francês, Champi, como se fosse o seu. «Então, Pequeno C – continuava eu -, Madeleine dirigiu ao pequeno Champi um olhar cheio de compaixão. Recolheu-o e disse que daí em diante viveria em sua casa como se fosse o seu próprio filho.»
E foi assim que acabei por contar ao Pequeno C a sua estranha origem. Um dia «Tu, meu amor – disse-lhe – eras esse Champi. Porque eu encontrei-te, não num campo, mas à minha porta, num cesto de roupa de cor púrpura, rodeado de juncos e narcisos, envolto num casaco de pijama verde aos quadrados escoceses. Tinhas um sorriso tão magnífico quanto o do bebé Hércules ao preparar-se para estrangular as serpentes, e os teus músculos já davam sinais da tua força actual. Tomei-te nos meus braços e dei-te um beijo, dizendo que daí em diante viverias na minha casa como se fosses o meu próprio filho». Depois disto, o Pequeno C nunca se cansava de ouvir esta história. Pedia que lha contasse quase todos os dias.
Na altura a minha preocupação com o decoro impediu-me de revelar ao Pequeno C o final da narrativa de Sand. Como a esposa do moleiro, abandonada pelo seu marido, se aproxima completamente do menino bastardo. E como um dia, depois de anos de vida doméstica, se dá conta que se trata de um homem feito e assombrosamente belo. Como ele desafia a sua vontade como um adulto, a aperta e beija apaixonadamente. Não; ocultei estas partes do livro e conclui a minha leitura com a infância de Champi. Mas quando o Pequeno C adormecia lia para mim mesma, com frequência, a cena em que Madeleine e Champi se beijavam e ela reconhecia com alegria, sentindo a força de uma vontade madura e independente, que o menino que ela havia criado como seu filho se havia tornado depois em seu amante e esposo. Enquanto O Pequeno C dormia, eu contemplava a lua sobre o lago negro e pensava na felicidade que me aguardava.
Um dia, quando o Pequeno C tinha dez anos, disse-me: «Mãe, o verde é uma cor muito bonita. Por que nunca usas vestidos verdes?». Surpreendida, respondi: «Que pergunta tão absurda. Porque tu detestas o verde!». Mas estava equivocada, já que o Pequeno C não detestava o verde. Por isso, tirei um vestido Armani verde por estrear que estava enterrado no meu armário desde o tempo em que estavas aqui e a blusa de seda verde que fica tão bem por debaixo de diferentes casacos e usei-os para agradar ao Pequeno C e a mim. Pensei, sentindo uma ligeira sensação de desconforto no estômago: «Por que gosta o Pequeno C do verde? Não há dúvida que o azul me assenta melhor.»
Depois, um dia, pouco depois disso, disse-lhe: «Pequeno C, arruma a casa, por favor». E, como lhe pedi amavelmente, sem ser necessário mencionar recompensas, o Pequeno C obedeceu. Depois disso, todos os dias, sem sequer ter de lho dizer, a casa estava arrumado. Os papéis impecavelmente empilhados na secretária, os livros na estante, os calções no cesto da roupa suja, o pijama pendurado por detrás da porta, as taças e os pratos ordenadamente colocados no lava-loiça. Eu observava-o com aprovação e elogiava-o amavelmente. E o gelo do pesar começou a formar-se de novo no meu coração.
Os colegas do instituto, que conheciam a história do Pequeno C, ficaram maravilhados ao ver a casa, como se de um milagre se tratasse. Alguns aprovaram a alteração. O chefe do Departamento de Economia, que era bastante maníaco, sentiu-se liberto de uma repugnância persistente. Também o nosso Director se sentiu aliviado e gratificado. Mas outros - os teus amigos filósofos do projecto da justiça global – logo começaram a cochichar nas minhas costas dizendo: «Pequeno C, não há problema se deixares os calções no chão»; «Pequeno C, é fantástico se deixares esta caixa meio vazia de bolachas dietéticas espalhada sobre a mesa»; «Pequeno C, vamos pegar em alguns papéis e espalhá-los pelo chão». Mas o Pequeno C disse: «A minha mãe disse-me que tinha de ter a casa sempre arrumada». E negou-se a fazê-lo. E eles começaram a afligir-se.
Como – pensei eu – tinha criado um menino tão dócil, livre de teimosia? Teria sido por o ter amamentado com demasiada frequência? Por o ter lavado com demasiada ternura? Por lhe ter cantado demasiadas canções de amor francesas? Por onde andava o meu menino heróico, disposto a transpor todos os obstáculos, incluindo aqueles que haviam sido impostos pela minha mãe? Será possível que conheça melhor os segredos do amor do que os segredos de te criar?
Nessa época, o meu coração começou a alterar-se. Oh, continuava a ser a tua mãe, e fazia as coisas que as boas mães fazem. Mas as nossas contactos diários esvaziavam a minha esperança louca e a minha alegria. Já não cantava nem lia com tanta frequência ao Pequeno C, mesmo quando, por conhecer a sua individualidade, parecia racional que cantasse cada vez mais, já que ele parecia inclinado a cultivar o talento musical que sempre desdenhastes. Em vez de continuar cantar, matriculei-o nas aulas de piano e o Pequeno C, como era de esperar, converteu-se num músico extraordinário.
Já não procurava a inclinação do ombro para a direita. Observei que, de facto, o Pequeno C tinha uma preferência vincada pelo futebol. Não mostrava qualquer inclinação para o ténis nem para qualquer outro desporto com raquete. Pela minha parte, não podia sentir muito entusiasmo pelo futebol. Um jogo que sempre me desagradou. Os movimentos direitos que o Pequeno C descrevia por todo o campo começaram a aborrecer-me, já que não via neles qualquer ousadia. Ou provavelmente seria o corpo do Pequeno C que não conseguia despertar o meu interesse. Todo magricela e frágil, sem ombros fortes e musculados.
Durante o mesmo período de tempo aconteceu também uma mudança no Pequeno C. Os seus olhos multicolores ficaram menos vívidos, perdendo os seus raios de luz amarela. O seu humor, em tempos tão desenfreado e extravagante, acalmou, como se carregasse um peso. A sua forma de correr, ainda que extraordinariamente direita, perdeu a exuberância característica que fazia com que as pessoas falassem dos seus invulgares dotes atléticos. Em vez disso, tornou-se um rapaz alto, de doze ou treze anos, que vertia as suas emoções no piano, praticando durante horas, com uma intensidade melancólica que surpreendia todos aqueles que outrora o conheceram. Partindo das fugas de Bach e das sonatas de Mozart, avançou à procura de uma música solene e reflexiva, a música do amor perdido e de um mundo calmo e de uma graciosidade inacessível. Satie, Debussy, Ravel, um mundo iluminado pela pálida luz da lua em que a alegria está tão longínqua que só existe na fantasia. A casa vibrava com as notas obsessivas d’A Catedral Submersa, quando a catedral, enterrada no fundo do oceano, por um momento se eleva gloriosamente em direcção à luz e volta depois a afundar-se de novo nas ondas.
Ocasionalmente, encantada pela própria música, permitia-me cantar enquanto o Pequeno C tocava. Canções de Duparc e Fauré, canções com versos como «Exilada de um céu dourado floresce a tua beleza». E «Mais além do telhado, quão azul, quão sereno está o céu». Quando cantava tinha a sensação de ver o teu rosto através da música, e naqueles momentos amava o Pequeno C por te aproximar de mim. Nessa altura, o Pequeno C era feliz. Procurava cada vez mais o piano.
Obteve grandes elogios com a sua música. As pessoas falavam de uma rara sensibilidade poética numa pessoa tão jovem.
Chegou o momento em que o Pequeno C fez dezassete anos e em breve teria que sair de casa para continuar os seus estudos musicais em Julliard. Pois, para além de ser um magnífico estudante, só a música lhe interessava realmente, e nunca estava verdadeiramente feliz a não ser que estivesse a tocar algo delicado e triste. A noite que antecedeu a sua partida para Nova Iorque, decidimos passá-la, mãe e filho, na ópera. Por coincidência representavam Don Carlo; assistimos juntos e em silêncio à cena de Fontainebleau. Isabel e Carlos, vendo que estavam destinados a ser mãe e filho em vez de amantes, cantavam sobre a horrível dor da sua renúncia. «L’ora fatale è suonata», a hora fatal soara e o amor estava sentenciado para todo o sempre. Sim, pensei eu. Condenados a ser mãe e filho para sempre.
No intervalo, o Pequeno C pôs-se de pé e eu levantei a cabeça na sua direcção e sorri. Media então mais de um metro e oitenta, e, embora continuasse a ser magricela e seco, não sendo já um atleta (uma vez que tinha medo de se magoar nas mãos), continuava sem ter ombros dignos de menção. Os seus olhos multicolores resplandeciam com uma luz tranquila, já não heróica. Analisamos a representação, como era nosso costume.
Depois, o Pequeno C, olhou para mim com a grave tristeza que se havia tornado na sua expressão característica.
- Mãe – disse-me – vejo que não te faço feliz.
- É verdade que não sou feliz, disse-lhe. Mas nada tem que ver contigo.
- Sempre me esforcei muito por te agradar, Mãe, disse. Mas faça o que faça, e diga o que diga, estás sempre um pouco triste, e os teus olhos olham-me como se estivesses a pensar noutra coisa.
- Isso é verdade Pequeno C, disse-lhe. Não é por tua culpa, mas é verdade.
- Mãe, em que estás a pensar quando há nos teus olhos essa expressão triste e perdida? Gostaria de o saber, porque talvez assim te possa fazer feliz.
- Uma longa história Pequeno C, e não podes sabê-la.
- E aquele bebé do cesto de roupa, rodeado de juncos e narcisos, envolto num casaco de pijama verde com quadrados escoceses. Sou eu aquele bebé?
- És realmente aquele bebé. Meu Champi. Meu Pequeno C.
- Então, porque não me queres como a Madeleine queria ao seu François adulto?
- Porque cada história tem o seu próprio final e nenhuma pessoa é exactamente igual a outra.
- E eu sou menos digno de amor que o François?
- És o melhor Pequeno C que o mundo alguma vez conheceu. Agora vamos sentar-nos. O Intervalo está quase a acabar e o segundo acto é magnífico.»
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Martha C. Nussbaum, «Little C”, in Nussbaum, Martha C. & Sunstein, Cass R. (eds) (1999). Clones and Clones. Facts and Fantasies about Human Cloning. New York: W. W. Norton & Company, pp. 338-45 (Traduzido e adaptado por Vítor João Oliveira)
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terça-feira, 5 de maio de 2009

Conferência na ESOB 20/05


«Clones, para que vos quero?»

Prof. Dr. Daniel Serrão


A conferência será antecedida pela leitura do conto "Pequeno C" de Martha Nussbaum

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Conferência na ESOB - 18/05

«Será que a minha mente está dentro da minha cabeça?»

Prof. Dra. Sofia Miguens

Universidade do Porto

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